domingo, 30 de dezembro de 2018

Por que compramos ações?


Para quem quer ver como funcionava o conceito de margem de segurança, pregada por Ben Graham, basta ver o filme “Other People’s Money”. Nele, Larry é um investidor que compra empresas sem futuro, mas que ainda podem render um bom lucro se forem liquidadas. Um belo dia uma das empresas que monitora, uma fábrica de cabos e fios, fica com seu preço abaixo da margem de segurança e ele decide comprá-la. Aqui, margem de segurança é o preço com um percentual abaixo do valor de liquidação, o que garante o lucro ao liquida-la. Tal prática foi comum durante os anos 80 e era mal vista.

O climax do filme é a Assembleia Geral dos acionistas, que devem decidir qual o futuro da empresa. Andrew Jorgenson, o sócio-controlador, que anseia em salvar a empresa. Seu discurso é emocionante. Mas Larry usa a racionalidade e lembra aos acionistas o porquê de terem comprado ações. Segue os discursos:

Andrew Jorgenson – Sinto-me feliz por ver tantos rostos familiares e velhos amigos, alguns que já não via há anos. Obrigado por terem vindo. Nosso capacitado presidente relatou no relatório anual o que conseguimos fazer neste ano, a necessidade de outros avanços e nossas metas para o próximo ano e os que se seguirão. Quero conversar com vocês sobre outra coisa, expor algumas de minhas idéias relativas à votação para a direção da empresa que lhes pertence, esta empresa que sobreviveu à morte do seu fundador, a numerosas recessões, à Grande Depressão e a duas guerras mundiais: ela se encontra em perigo iminente de destruir-se, no dia de hoje, na cidade em que nasceu.

Ali está o instrumento de sua destruição. Contemplem-no, no auge de sua glória: Larry, o Liquidador, o empresário da América pós-industrial, fazendo-se Deus com dinheiro alheio. Os cruéis barões do passado, pelo menos, deixaram atrás certas coisas concretas: uma mina de carvão, uma estrada de ferro, bancos. Esse homem não deixa nada, não cria nada, nada constrói e nada dirige! No seu rastro não ficam senão montanhas de papel para ocultar as dores. Se ele dissesse: "Sei conduzir sua empresa melhor que você", haveria algo sobre o qual poderíamos conversar. Mas o que ele diz é "Vou matá-los porque neste momento vocês têm mais valor mortos do que vivos!"

Bem, talvez seja verdade, como também é verdade que um dia esta organização voltará a ter lucro, quando o iene se enfraquecer ou o dólar se fortalecer, ou quando, finalmente, começarmos a reconstruir as estradas, as pontes e a infra-estrutura do país. Os pedidos chegarão às nuvens! E quando isso acontecer ainda estaremos aqui, mais fortes por causa dos sofrimentos, mais fortes porque teremos sobrevivido. E aí o valor das nossas ações fará a oferta dele empalidecer.

Deus tenha pena de nós se resolvermos pegar os dólares e dar o fora. Deus tenha pena deste país se essa for a verdadeira onda do futuro. Porque aí o país nada produzirá além de hambúrgueres e advogados, e nada venderá além de paraísos fiscais. E se já estivermos no ponto de matar uma pessoa porque no momento ela vale mais morta do que viva, contemplem seus vizinhos: vocês não os matarão, não é? Não! O nome disso é assassinato, é coisa contra a lei. Pois isto aqui também é assassinato, em grande escala. Em Wall Street chamam-no "elevar ao máximo o valor das ações" e o consideram estar de acordo com a lei. E colocam notas de dólares onde deveria haver a consciência. Malditos! Uma empresa vale mais que o preço de suas ações. Nela ganhamos a vida, conhecemos nossos amigos, sonhamos nossos sonhos. E é, em todos os sentidos, a própria textura que mantém unida a nossa sociedade. Digamos então neste encontro, a todos os Garfields do país: aqui nós construímos coisas, não as destruímos. Aqui nós nos preocupamos com algo mais do que o preço das nossas ações: aqui nós nos preocupamos com as pessoas!

Larry Garfield – Amém e amém e amém! Desculpem-me por desconhecer os hábitos de vocês, mas na minha terra costumamos dizer amém depois das orações. Porque foi isso o que vocês ouviram: uma oração. Na minha terra, esse tipo de oração é chamada oração pelos mortos. Vocês acabam de ouvir uma oração pelos mortos, amigos acionistas, e não disseram amém. Esta empresa está morta. Eu não a matei, não me culpem. Ela já tinha morrido quando cheguei. É tarde demais para rezar, porque mesmo que a oração fosse atendida, se ocorresse um milagre, se com o iene acontecesse isto, com o dólar aquilo e com a infra-estrutura não-sei-o-que mais, ainda assim não adiantaria. Sabem por quê? Fibras ópticas. Novas tecnologias. Obsolescência. Nós já morremos! Nós quebramos. Sabem qual o melhor caminho para quebrar? Controlar uma parte cada vez maior de um mercado que afunda. Aí a gente entra pelo ralo, devagar e sempre. Já houve muitas fábricas de chicotes para cavalos. Acredito que a última delas fazia o melhor chicote que já se fabricou. E vocês gostariam de possuir ações dela? Investiriam num negócio e este negócio já estava morto. Tenhamos a inteligência, tenham a capacidade de assinar seu atestado de óbito, receber o seguro e investir em algo que tenha futuro!

"Ah, não podemos", diz o pregador. "Não podemos porque temos responsabilidades: responsabilidades com nossos empregados, com nossa comunidade. O que será deles?" Bastam estas palavras para responder: quem se importa? Vocês se importam com eles? Por que, se eles não se importaram com vocês? Eles pensam neles mesmos. Vocês não são responsáveis por eles, porque nos últimos dez anos esta empresa chupou o dinheiro de vocês. 

Essa comunidade já disse "São tempos difíceis, então vamos reduzamos os impostos e as tarifas públicas."? Verifiquem: vocês pagam duas vezes mais impostos do que há dez anos. E nossos dedicados empregados, que não têm aumento há três anos, ainda ganham o dobro do que ganhavam dez anos atrás – enquanto nossas ações valem uma sexta parte do que valiam na época... Vou dizer-lhes quem se importa com vocês: eu! Não sou seu melhor amigo, sou seu único amigo. Não crio nada: crio dinheiro para vocês. A não ser que vocês esqueçam que, em primeiro lugar, foi para isso que compraram ações. Vocês querem ganhar dinheiro, não querem saber se fabricam cabos e fios, frango frito ou doces de tangerinas. Querem ganhar dinheiro! Sou o único amigo que vocês têm, faço-os ganhar dinheiro. Peguem esse dinheiro, invistam-no em outro lugar! Talvez tenham a sorte de conseguir empregá-lo produtivamente. Se acontecer isso, vocês criarão novos empregos, promoverão a economia e, se Deus permitir, terão ganho uma "graninha". Se alguém pedir ajuda, respondam que já deram. Por falar nisso, gosto de que me chamem Larry, o Liquidador. Sabem por que me agrada meus amigos acionistas? Porque ao meu enterro vocês irão sorrindo e com gaita no bolso. Será um enterro que valerá o céu.

Larry ganha no final.

Ainda hoje, muitos educadores pregam o investimento em ações como uma atitude de fé na sua capacidade de sobreviver e crescer sempre ao longo dos anos. Mas toda empresa tem o seu ciclo de vida. O investidor deve, antes de tudo, procurar preservar o seu capital, não a empresa onde investe.

Hoje, a margem de segurança é um conceito muito empregado no processo de compra de boas empresas. O preço já não é definido a partir do valor de liquidação da empresa, mas de sua capacidade de gerar renda futura, a partir do Fluxo de Caixa Descontado, Análise Comparativa de Indicadores ou Análise Gráfica. Mas uma coisa não mudou: nós compramos ações para ganhar dinheiro.


3 comentários:

Hezekiah disse...

Ótimo artigo, Ocaba resume a realidade que muitos não aceitam.
Confundem valor com preço, e acreditam que preço médio é Deus.
Não compro NADA caro , sempre olho os ativos antes de comprar, estou começando na RV , porém estou fazendo cursos de Trade e tbm de renda Fixa, porém uma coisa aprendi e já salvei a pele de uma amiga ano passado qdo queria fazer empréstimo para comprar Bitcoin que estava a USD 10.0000, falei qdo todo mundo está comprando , pense que poderá ser a hora de vender, e se todo mundo está vendendo pense em comprar, seguir comportamento de manada normalmente NÃO termina bem, resumindo ela me agradeceu após 2 meses o bitcoin derreter.
A RV já possui risco, porque vou comprar ou casar com um ativo? Tenho é que procurar bons ativos com bom preço, para se o mercado virar a mão, tenha margem, se comprar caro, terei uma perda bem maior e poderá levar anos para recuperar o patrimônio ( isso se conseguir recuperar).
Muito bom seguir seus conselhos e comentários no Clube FI , me ajuda muito, abraços.

Paulo Vieira disse...

Obrigado pelas palavras Hezekiah. 2018 foi um ano difícil para os pequenos investidores, e muitos mitos foram quebrados. Basta se lembar do que aconteceu aos minoritários de Smiles e Multiplus, duas ações festejadas, com ótimos indicadores, mas que os controladores decidiram dar uma rasteira nos minoritários. De nada adiantou ser ON, ter tag along, indicação de corretora. Se o majoritário quiser e puder, ele dá uma rasteira. Ser acionista é dormir com o inimigo.

Jordann disse...

Excelente postagem, o investidor precisa ter essa consciência de que ele não é dono da empresa ou outras fantasias.
Comprar ações, fiis ou qualquer outro ativo deve ser uma atitude racional e em última instancia a única coisa que importa é ganhar dinheiro.