domingo, 9 de agosto de 2020

Brincando com fogo

 A redução nesta semana da SELIC em 25 pontos era algo já aguardado. A surpresa veio com a nota, afirmando que há espaço para novaS reduçõeS. Isso implica que em duas novas quedas, uma em setembro, quando a SELIC passará para 1,75% e outra até o final do ano, com a SELIC fechando em 1,5%. Consequentemente, 2021 começarão com o DI valendo 1,4% ao ano.

O mercado não recebeu bem o comunicado e passou a considerar que o governo está preocupado apenas com o aspecto fiscal (dívida pública), desprezando o monetário (inflação). O resultado é que a parte curta da curva de juros (curtíssimo prazo) caiu, para se ajustar as novas previsões da SELIC, e a parte longa disparou para cima (adicionando risco). O resultado foi uma elevação drástica na inclinação da curva de juros.

 Outra consequência foi o aumento firme do dólar. No mercado, se comenta que o dólar a R$ 5,50 está barato e o valor justo estaria próximo dos R$ 6,00. Esta alta do dólar joga pressão nos custos e nos preços do atacado, evitando uma deflação, por enquanto, nos IGPs. Já o varejo continua sem a possibilidade de repassar os preços para o consumidor final (e por isso o IPCA continua baixo).

As taxas de financiamento dos bancos, que são baseados nas taxas de LP, devem continuar elevadas, dificultando ainda mais a vida das empresas. Essa situação tende a provocar uma nova onda de quebra de empresas, reduzindo a oferta e permitindo o aumento de preços no varejo. Essa quebra generalizada também implicaria numa redução da arrecadação pelo governo. Por isso a urgência em criar um CPMF digital, visto que Amazon, Spotify, Apple, estão imunes as agruras das empresas brasileiras.

A alta dos DIs se refletiu nos cupons, mas não com a mesma intensidade. Em parte porque o mercado está buscando proteção nos ativos indexados pela inflação. Todavia, se a estratégia do governo, focada no fiscal, fracassar (não aprovação da CPMF ou da reforma tributária), a tendência é dos cupons dispararem (DI reflete inflação, cupom reflete risco fiscal).

Vale lembrar que ações, FIIs e até títulos públicos, viraram repositório da liquidez promovida pelo BC e estão inflacionados. Se algo der errado, essa inflação contida é transmitida para o resto da economia, podendo criar uma situação que obrigaria o BC a elevar rapidamente os juros para enxugar a liquidez. Isso poderia ser desastroso para nossa economia.


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

COPOM: SELIC e os riscos inflacionários

Eu me preocupo com o fato do COPOM ter deixado a porta aberta para um novo corte dos juros em setembro.

Dizem que o objetivo é manter pressão sobre a curva de juros e reduzir a inclinação. Mas o efeito pode ser exatamente o contrário, com o mercado acreditando que o governo está subestimando os riscos inflacionários, já explícitos nos IGPs.

Além de toda aquela questão do delay da inflação, que começa na produção, passa pelo atacado e demora a chegar no varejo, com cada setor funcionando como um amortecedor, existe também um problema de metodologia. O grupo transporte é o principal componente do IPCA, com 20,8%. Só as passagens aéreas caíram 60%, e ninguém está usando avião. Sem essa queda nas passagens aéreas, a inflação de junho seria de 0,37% (0,11 pontos a mais). Desconsidera a deflação dos aplicativos de transporte e a inflação vai para 0,4% (0,03 pontos).

Essa abertura para novos cortes de juros vai pressionar o dólar, que por sua vez vai pressionar a inflação de custos, que vai pressionar a inflação no atacado, já bastante elevada. Ou o varejo repassa essa inflação para o consumidor ou vai quebrar.

Soma a tudo isso a clara ameaça de burlar o teto dos gastos públicos, na onda populista / desenvolvimentista / keynesiana do governo Bolsonaro, com risco de descontrole fiscal, e temos um cenário cada vez mais parecido com aquele que resultou na crise do governo Dilma.

Mercado de ativos está subindo sem fundamentos, baseado apenas numa inflação de ativos, causada por um movimento de rotation (pessoas físicas trocando RF por RV). Os estrangeiros, esses já retiram R$ 85 bilhões da bolsa neste ano.

Por enquanto, a festa vai continuar. Ações, FIIs, ouro, vai tudo subir. E junto subirão os riscos. É surfar a onda antes que ela quebre.

domingo, 2 de agosto de 2020

A disparidade entre os IGPs e o IPCA

Sobre a disparidade existente entre os índices de inflação, é preciso entender que o IGP mede principalmente o atacado, e o IPCA o varejo. Digamos que ninguém esteja mentindo, o que esses índices mostram? Que o varejo ou está queimando estoque ou reduziu sua margem de tal forma que está absorvendo a inflação do atacado. Provavelmente seja um misto dos dois, com o varejo acreditando que a alta do atacado é passageira. Se o varejo estiver certo, em algum momento os fornecedores serão obrigados a baixar seus preços, visto que também estão sendo afetados pela falta de demanda. Então, num futuro próximo, poderíamos ver uma deflação nos IGPs.

Problema: os preços dos fornecedores dependem do dólar. Enquanto não houver uma queda firme do dólar, não há como reduzir os preços. Mas o dólar nas últimas semanas tem se mantido estável, então, os preços no atacado também deveriam se manter estáveis. Só que os IGPs mostram que a alta dos preços continua.  Isso porque provavelmente os fornecedores no passado recente também tiveram que queimar estoques e reduzir margens. Contudo, agora estão sendo obrigados a renovar seus insumos, alguns dolarizados, e por isso passam a subir os preços para não terem prejuízo.
Ou seja, a transmissão da alta do dólar que ocorreu ao longo dos últimos meses não se deu de uma forma imediata, mas em etapas, sendo amortizada pelos diversos segmentos da economia. A recessão fez que essa transferência de custos fosse ainda mais lenta, devido à falta de demanda.

Eu, no momento, acredito que o dólar deva ceder um pouco nos próximos meses, permitindo uma desaceleração nos preços no atacado e numa leve acomodação dos preços no varejo. Mas mesmo essa leve acomodação tem um poder inflacionário. Se isso não ocorrer, vamos ter uma quebradeira no varejo (além da que já ocorreu), reduzindo a oferta e permitindo uma elevação dos preços. De qualquer forma nos próximos meses vai ocorrer um amplo ajuste (ofertaxdemandaxpreço). Somado ao descontrole fiscal, podemos ter um cenário sombrio.

Mas, os ativos, as ações, os FIIs, estes são beneficiados pela inflação de ativos e continuam com um céu de brigadeiro (por enquanto).